BLOQUEIO DE VIAS

O bloqueio de vias tem sido usado historicamente como forma de protesto por diversos grupos, como caminhoneiros e movimentos sociais. Os projetos de lei descritos abaixo, portanto, afetam diretamente uma forma de exercício legítimo de pressão social. Além disso, as redações amplas observadas e as alterações do Código Penal (Decreto-lei 2848/1940) que os projetos em destaque propõem atingem não somente protestos cujo objetivo primário seja o bloqueio do trânsito, mas quaisquer manifestações sociais, visto que a maioria delas acaba tendo como consequência direta ou indireta a interdição total ou parcial de vias públicas. Dessa forma, a pretexto de garantia do direito de ir e vir, os direitos fundamentais de reunião e manifestação se veem prejudicados e violados em sua essência, que é justamente a provocação de um certo nível de incômodo social, com o objetivo de jogar luz sobre as temáticas reivindicadas. Tal contexto é revelado pela recente aprovação de uma lei (originada de uma Medida Provisória) que aumentou as sanções do Código de Trânsito Brasileiro para bloqueio de vias por veículos. O texto original enviado pelo Congresso incluía também punições a pedestres, ampliando expressamente o escopo da punição para qualquer tipo de manifestação, mas este trecho foi vetado.

Leia a carta:

Excelentíssima Presidenta Dilma Rousseff,

No dia 7 de abril de 2016 foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei de Conversão nº4, relativo à Medida Provisória n. 699/2015, que, em novembro de 2015, alterou pelo prazo de 60 dias o Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9.503/1997 – ao aumentar a punição para quem utilizar veículos para interromper, restringir ou perturbar a circulação nas vias, sem autorização do órgão ou entidade de trânsito. As alterações aprovadas pelo Senado na forma de um texto definitivo incluem punições rigorosas (multa relativa a infração gravíssima aumentada de 20 vezes) também a pedestres que, por qualquer motivo, obstruírem vias públicas sem autorização do poder público.

Trata-se de mudança que afronta diretamente as liberdades de expressão e protesto na medida em que, além de causar efeito intimidatório pelo aumento da sanção prevista, pretende condicionar a liberdade de manifestação à autorização de um órgão público, determinação contrária aos padrões internacionais e à Constituição da República.

Sabe-se que o direito de protesto, o direito à liberdade de expressão e o direito de reunião são direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos, todos ratificados pelo Brasil e entendidos como normas superiores à legislação comum. São ainda direitos fundamentais garantidos expressamente pela Constituição Federal, que dispõe em seu artigo 5º, XVI que a manifestação pacífica independe de qualquer tipo de autorização.

Ressalta-se, ainda, que os padrões internacionais de direitos humanos dispõem no mesmo sentido sobre a impossibilidade de exigência de autorização para se manifestar dentro de um sistema democrático, assim como sustentam ser insuficiente a justificativa de manutenção do tráfego urbano para suprimir por completo a liberdade de expressão, uma vez que qualquer restrição a direito fundamental exige intensa ponderação de princípios, não observada neste caso.

É importante lembrar que o  direito de realizar reuniões e manifestações em vias públicas tem sido consistentemente defendido por órgãos internacionais e regionais de direitos humanos, que estabelecem que, em uma sociedade democrática, o espaço urbano não é apenas uma área para circulação, mas também para participação.

Conclui-se, portanto, que o texto aprovado pelo Senado Federal não é condizente com princípios democráticos e constitucionais. Em respeito à luta travada historicamente neste país em defesa do direito de manifestação, as entidades aqui subscritas solicitam que utilize a sua prerrogativa para vetar os artigos 253-A e 254, VII e seus respectivos parágrafos do Projeto de Lei de Conversão número 4 de 2016 (oriundo da Medida Provisória 699/2015) em razão de sua inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.

Assinam essa carta:
ARTIGO 19
Conectas Direitos Humanos
Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH)
Instituto de Defesa do Direito de Defesa
Instituto Sou da Paz
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Justiça Global
Rede de Justiça Criminal

(Foto: Guerrilha GRR)

MANIFESTAÇÃO DA ARTIGO 19 SOBRE O TEMA:

Organizações pedem que Dilma vete restrição ao bloqueio de ruas em protestos

Organizações de defesa de direitos humanos enviaram uma carta à presidenta da República, Dilma Rousseff, apelando pelo veto ao Projeto de Lei (PL) de Conversão nº 4, oriundo da Medida Provisória nº 699, de 2015, proposta pelo Executivo, e que altera o Código de Trânsito Brasileiro para punir severamente quem bloquear vias públicas, por qualquer motivo, utilizando veículos.

PROJETOS DE LEI RELATIVOS A BLOQUEIO DE VIAS